domingo, 25 de março de 2007

AND THE WINNER IS...

Pois é...a esta hora muitos interrogam-se: "Mas como será isto possível?" . A razão é muito simples. Acabei de assistir ao lançamento dos resultados finais de "Os Grandes Portugueses" e António de Oliveira Salazar venceu por uns expressivos 41% dos votos. Em segundo e terceiro lugares, respectivamente, Álvaro Cunhal e Aristides de Sousa Mendes .
Já muitas leituras se estarão a fazer acerca destes resultados. Na minha opinião, não se trata de um voto em Salazar mas sim um verdadeiro cartão amarelo a todos aqueles que, utilizando as palavras de Fernando Dacosta (presente no painel de comentadores do programa) "a todos aqueles que, após o 25 de Abril de 74, prometeram um país democrático, livre, fraterno e que, passados quase 33 anos, essa realidade transformou-se numa utopia que, aos olhos dos comuns portugueses, se desvaneceu".
Continuando a fazer minhas as palavras de Fernando Dacosta, " O que será pior: uma repressão ao pensamento livre, ou uma perda de dignidades sociais, como o desemprego, o constante aumento do custo de vida, a falta de esperança face a um capitalismo neo-liberal cada vez mais selvagem e corrupto?". Caros amigos "bloggistas": eu não sou Salazarista, aliás, Salazar "faz parte da minha profissão": tenho de o entender friamente, cientificamente e nunca me deixei, nas minhas aulas, guiar por parolos sentimentos anti ou pro causas. Ainda hoje se discute se Portugal viveu ou não um Fascismo, tal como a Itália dos anos 20, 30 e 40... Para os políticos, este é um manifesto, apesar da componente meramente televisiva, por alguma coisa... há aqui um segundo sentido que, volto a dizer, não será obrigatoriamente um desejo de regressar no tempo...Que as palavras de Fernando Dacosta vos façam pensar...

sábado, 24 de março de 2007

HÁ QUANTO TEMPO...



Inicio aqui uma novidade no KULTURKAMPF: regularmente vou publicar aqui alguns clips de bandas que, injustamente ou por voltas do destino, caíram um pouco no esquecimento e que merecem a pena ser recordadas.

Inauguro com esta pérola de 1989, época em que o Goth Rock dava créditos, criando autênticos movimentos tingidos de negro e espiritualismo...Nascidos de uma cisão nos Sisters of Mercy, os escoceses The Mission, encabeçados pela voz e figura carismática de Wayne Hussey, trouxeram uma nova frescura às paisagens românticas e negras da música (chamada de) Goth ou Rock Gótico. O seu álbum de 1989, Carved in Sand apresenta 10 canções de elevado grau de energia e dor. Perfeito para ouvir numa visita à Sintra que inspirou Lord Byron no século XIX ou, então, lendo "Drácula" de Bram Stoker... Butterfly on a wheel é uma grandiosa amostra do que esse álbum trouxe...uma faixa de grande beleza que revela a força destes The Mission .

quinta-feira, 22 de março de 2007

BRAVA DANÇA DOS "MALDITOS"

Confesso que nunca tinha ligado muito aos Heróis do Mar. Confesso, também, que cometi o pecado de os ter visto uma vez, ainda era muito míudo, no mesmo espectáculo em que actuou o Marco Paulo (Aveiro, por volta de 1984-85)...

Sempre os respeitei, reconheci-lhes o pioneirismo e o legado de grandes canções que ainda hoje fazem muita gente (incluindo aqueles que nem em projecto estavam quando a banda se extinguiu!!!) cantar, dançar e enlouquecer por tanta semana académica e não só.

Os anos passaram e, como a minha sábia mãe diz, "só os burros não mudam"...

Hoje em dia tento ver um pouco para além da música...gosto de analisar o ambiente em que foi criada, as emoções e reacções da imediatez que suscitaram, todo um pano de fundo que nos faz redescobrir, sempre, um pouco mais da vida eterna de uma grande canção ou grupo.

Na realidade, depois de ontem ter ido ao cinema, empurrado pela curiosidade, assistir ao filme/documentário "BRAVA DANÇA", de Jorge Pires e José Pinheiro, estreado na última semana, saí da sala de cinema ( com pipocas por todo o lado) bastante pensativo:

Realmente, os HERÓIS DO MAR tiveram o mérito e o azar de nascer em Portugal.

Nascidos do turbilhão pós-revolucionário, do ambiente de desorientação e de cidade sitiada, os elementos, que viriam a dar forma à mítica banda, encontraram-se nesta fase, com ideias que borbulhavam por toda a líbido própria dos 20 anos, com o espírito de tentar fazer algo que (lhes) tivesse sentido...
Realmente, após a aparição em 1980/81 da banda, as conotações de que foram alvo mostraram a falta de preparação com que Portugal se debatia para enfrentar estas (e outras) novas tendências.

Uma época ainda em sangue e ferida...um Portugal castrado durante meio século...tudo era política ou então tudo tinha conotação com a política... Os HERÓIS vêm de uma elite culta, artística em que, para eles, falar de política, religião, história ou mito era normal. Mas não para uma sociedade renascida de uma Fénix ainda depenada.

É engraçado o intuito da idiossincracia da banda: mistura (explosiva) entre POP, tradição e marcas culturais. O nome retirado do próprio hino, a utilização de fardas, tais como as milícias juvenis durante os anos 30 e 40, de símbolos identificativos da História, Cultura e "marca Portugal" e lirismo de um cariz quase épico-dramático levavam ao facilitismo de uma conotação da banda com a ideologia fascista, tendo sido apelidados como reaccionários e neo-fascistas saudosistas.

Por isso digo que os HERÓIS DO MAR tiveram o mérito e azar de nascer em Portugal...um país que, se calhar, nunca os compreendeu e, sejamos realistas, eles tiveram de se adaptar a isso. Mais seria difícil, não dizendo eu impossível. O azar de nascerem em Portugal, num país diminuído culturalmente, pouco dado à inovação e tendências mais "heterodoxas". Mas felizmente, ao contrário de muitas outras bandas (não só portuguesas), os HERÓIS souberam ver a época em que viveram e souberam, acima de tudo, "morrer heróicamente quando a praia já não tinha mais espaço para estender a toalha"... e isso é de HERÓI!!!!

Como viram, não contei aqui nada sobre o filme em si pois aconselho-o vivamente. Apenas digo que vão sentir nostalgia, ou tristeza, por nunca terem visto esta banda a actuar. Para a eternidade, fica a sua música e irreverência: "Brava dança dos heróis" (épica e grandiosa), "Saudade", "Fado" (das melhores canções escritas em Português de sempre), "Supersticioso" e os êxitos da pista de dança, "Amor" e "Paixão". Tudo isto reunido num só disco lançado, recentemente, que reúne os 16 melhores temas destes Heróis Amaldiçoados (que eu adquiri logo no dia seguinte...)

Para terminar, numa época em que se adora ir "ressuscitar" bandas e artistas reformados, penso que os ex-membros da banda não deverão, até ver, dar esse prazer a tantos milhares...É assim...

"SÃO COISAS DO MUNDO, SÓ SE PODEM VER AO LONGE!!!" (in Fado, Heróis do Mar)


terça-feira, 20 de março de 2007

CRÉDITO À HABITUAÇÃO


Ouvi, há uns tempos, uma reportagem na TSF "Com a Corda na Garganta- Crédito Mal Parado"

O tema de hoje é algo que está bastante vincado na cultura contemporânea portuguesa: o recurso ao crédito.
Andando no metro de Lisboa, passeando pelas avenidas da capital, olhando as coloridas páginas dos jornais de distribuição gratuita, a “oferta de crédito” domina 75%, em média, da publicidade (dos moopies de rua, aos jornais, aos anúncios de televisão e rádio e até aos pop-up quando acedemos à Internet).
Vamos partir da legislação de base:


Artigo 60.º
(Direitos dos consumidores)

1. Os consumidores têm direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e à informação, à protecção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos, bem como à reparação de danos.
2. A publicidade é disciplinada por lei, sendo proibidas todas as formas de publicidade oculta, indirecta ou dolosa.

Não tenho formação em Direito, não domino a legislação mas, antes de tudo, todas as pessoas deviam ter uma cópia deste documento em casa: a Constituição da República Portuguesa, o texto fundamental para o enquadramento dos direitos, deveres e organização do indivíduo no contexto da sociedade portuguesa. Por este artigo, podemos ver que os direitos dos consumidores vêm consagrados e previstos neste documento: o direito à informação e segurança nos seus interesses económicos e, no ponto 2, a publicidade fraudulenta é considerado um crime de âmbito constitucional, atentando à própria legitimidade do indivíduo. Não quero aqui fazer um manifesto anti-crédito pois o recurso ao crédito é necessário para a compra de casa, de um carro pois nós não vivemos num mundo cor-de-rosa das estrelas de cinema em que adquirir um imóvel (por mais humilde que seja) possa ser feito como ir ao supermercado comprar um quilo de batatas.

É chocante ver que os portugueses não têm poder de compra e que este, anualmente, vai perdendo força medindo-se isto pelas subidas salariais demasiado ténues para ombrear com o nivelamento dos preços dos artigos de primeira necessidade.
Muitas das pessoas, em actos de desespero, vêem no recurso a instituições de crédito o paraíso e a resposta para as suas dificuldades.


Este gráfico mostra-nos muito bem o indíce de cartões de crédito emitidos nos últimos anos. Podemos ver que, cada vez mais (contrariando uma certa descida entre 2004 e 2005) o crédito é um recurso usado. Muitas das pessoas por vezes recorrem ao crédito para pagarem outros créditos fazendo engordar, não só a banca (que apresenta os lucros que apresenta anualmente), como também uma pescadinha de rabo na boca que roda, roda mas não sai do mesmo sítio.


As pessoas não conhecem o que aquelas letrinhas pequeninas significam mas, mais escandaloso que isso, não tentam procurar essa informação. Eu farto-me de rir ao ouvir na rádio as campanhas vampirescas da banca a promover os seus produtos apresentando-se como uma solução simples e maravilhosa, com uma bela música harmoniosa e vozes bem colocadas. O fim dos anúncios em que, pela lei, devem constar as condições para a sua adesão, é que é o “vê se te avias”!!! Digam lá: quantos é que de vocês percebem as condições à velocidade a que são transmitidas (TAEGde5,4%aoanoestandocondicionadoàtaxanominalbrutade7%paraempréstimosa15anos)!

COMPRE AGORA E PAGUE DEPOIS QUANDO LHE APETECER!!!!! PAGUE O SEU LEITOR MP3 EM 25 SUAVES PRESTAÇÕES!!!! RECEBA JÁ 5000€ E NEM SE CHATEIE QUE NÓS TAMBÉM NÃO!!!! ADIRA AO CARTÃO FANTASIA DA MERCEARIA DO SEU BAIRRO E GANHE UMA VIAGEM AO BRASIL!!!! COMECE A PAGAR A CASA SÓ DAQUI A 3 ANOS E RECEBA UM CHEQUE OFERTA DE 6000€!!!!! (Todos estes exemplos são meramente ilustrativos e alegóricos)

É o chamado CRÉDITO À HABITUAÇÃO!!!!!! Viver com a corda na garganta, querer viver acima das suas possibilidades e a afirmação decisiva de um mundo cada vez mais materialista!!!!!

(fotos dos muppis cortesia Eu ainda sou o Director Criativo! )


segunda-feira, 19 de março de 2007

COMUNICAR...


O nome era sugestivo… a grandiosidade e misticismo bíblicos não faziam prever o que este filme se tornaria para mim…
“BABEL”, de Alejandro González-Iñárritu é, sem dúvida, um dos melhores filmes dos últimos tempos.

Mas não se fiem muito no que eu digo pois eu não sou aquilo que, geralmente, se considera um “fanático cinéfilo”!!!!!!!
Uma história que nos está próxima, as coincidências que vida tem, o mundo que, afinal, não gira só à nossa volta…o poder da falta de comunicação que nos transporta ao longo de duas horas e meia de emoções partilhadas…de viagens, de mundos diferentes mas, incrivelmente, tão próximos…mundos tão pobres mas tão ricos…mundos em que é tão simples comunicar e conseguir mas, por vezes, não nos conseguimos fazer ouvir ou notar.
Pois o mundo é cruel e só resulta naquilo que nos faz algum sentido.


BELÍSSIMO TRABALHO!!!!

sábado, 17 de março de 2007

SONS DA ARCÁDIA NO MUNDO DOS IOGURTES


Por vezes, no meio de tanta monotonia e vazio de interesse, sou surpreendido por artistas (em todas as áreas) que, sem dúvida, conseguem trazer algo de positivo ao mundo; que me fazem tentar descobrir mais e levantar uma onda de interesse e fascínio que, desde há muito, não sentia.
O último disco que eu recordo a surpresa, que me viciou (sim este é o termo clínico correcto) de tal forma foi, em 1997, OK COMPUTER dos britânicos Radiohead. Um disco que eu conheci, em primeira instância, numa apresentação dos mesmos, ao vivo no Paradise Garage em Lisboa, perante uma plateia composta por poucas dezenas de pessoas, numa solarenga tarde de Verão lisboeta. Um disco que, pouco tempo depois, seria laureado pela crítica especializada como uma das grandes obras primas desde Sg. Peppers dos Beatles (1967), levando a uma euforia desenfreada no meio musical pós-Cobain.

Sem querer entrar numa espécie de materialismo da História, em que se tenta apontar, nos últimos cinquenta anos, um período de incubação para o lançamento de grandes obras musicais de dez em dez anos ( 1957: Heart Break Hotel, de Elvis, 1967: Sg. Peppers Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, 1977: Nevermind the Bollocks, Sex Pistols, 1987: The Joshua Tree dos U2 e 1997, Ok Computer dos Radiohead), ou seja, discos que mudaram a maneira como a música deve ser vista (ou não), eis que, em 2007, chega um disco que confirma um percurso delineado e aberto em 2004 com o lançamento do primeiro trabalho.

Os spotlights voltam, 50 anos depois, a cruzar o oceano Atlântico, para o continente americano mas, desta vez, para o Canadá.
Em 2004, uma banda canadiana, encabeçada por homens e mulheres, politicamente incorrecta, despertaram o marasmo musical com um trabalho notável.
"Funeral", disco de estreia dos Arcade Fire, despertou o mundo com ambientes de dor, de esperança, com instrumentalismos preciosos e lirismo sentimental. Por outro lado, a força da interpretação, da voz dorida e da conjugação do pop mais cru com roupagens sinfónicas bastante efectivas.
Depois veio o apadrinhamento dos U2 (durante a sua tourné de 2005 os irlandeses mais famosos do mundo entraram em palco ao som de "Wake Up", uma das jóias de "Funeral") e do grandioso Bowie que, numa entrega de prémios, marcou presença ao lado dos canadianos para interpretar o mesmo tema.

Apesar de meio mundo estar de antenas viradas para os canadianos, estes não se deixaram seduzir pelas luzes do estrelato: souberam manter-se na penumbra a que a sua música alude e não foram infectados pelo famoso "so...what's next"; não suscitando expectativas falsas nem novelas para consumo imediato nos media especializados.
O tão sintomático síndrome do segundo álbum não pareceu afectar os Arcade Fire.
Estes "refugiaram-se" no seu espiritualismo, procurando a redenção numa antiga igreja no Canadá para criar esse tão esperado trabalho.
Para pôr um bocado de lógica no materalismo acima apontado, em 2007, dez anos após OK COMPUTER, os canadianos lançam NEON BIBLE, que veio a confirmar aquilo que, em 2004, se fazia prever.
Longe e afastados das manobras de marketing perfeito do mundo artístico, o novo álbum dos Arcade Fire, sem apontar lógicas científicas, transporta-nos para um mundo perfilhado já desde FUNERAL: composições grandiosas, rigor na escolha da roupagem instrumental, letras de sarcasmo cortante e a preservação de uma identidade fazem com que esta banda saia fora da esfera iogurteira a que a indústria musical chegou na última década, em que um artista tem um prazo de validade determinado, num verdadeiro jogo da Glória ou da Morte.
Neon Bible é perfeito em todos os seus timbres: confirma Funeral como um disco à frente do seu tempo; cria novos espaços e novos ambientes e aponta Win Butller como uma voz que dá sentido a toda a energia expelida pelo conjunto norte-americano. Peças como "Black Mirror", "Keep the car running" e o sarcástico "Intervention" concedem a este trabalho uma qualidade irrevogável!

Se é melhor ou pior que Funeral? Não sei nem me interessa! Arcade Fire é, sem dúvida, o balão de ar fresco que, neste momento, faz a banda sonora da minha vida e, para o qual, eu convido à descoberta atenta e paciente. É bom quando assim é...

BIG BROTHER DA HISTÓRIA DE PORTUGAL

O programa "Os Grandes Portugueses" está a revelar-se um autêntico sucesso. Isto prova-se pela imensa participação pública e manobras de marketing (movidas pela televisão pública portuguesa) tendo em vista uma autêntica onda opinionista acerca do curso histórico português, capaz de superar a participação cívica activa em actos eleitorais.

Não quero aqui tecer comentários aos dez ilustres mais votados pela opinião pública. Apenas chamo a atenção para os limites impostos pela promoção do programa. Num país cada vez mais dilacerado pela incapacidade de perceber e entender questões de fundo, onde tudo é cada vez mais banalizado e servido numa travessa ornamentada mas sem o mínimo de sabor, os mentores do marketing para o programa limitaram a acção das figuras a um binómio: o Mal ou o Bem. Não defendo que a História é, como nas primeiras vagas autoritaristas e nacionalistas do século XX, a “estória dos feitos heróicos da Pátria”. Não defendo igualmente que a História, como ciência ou mero acto curioso, se transforme num Novo Santo Ofício, capaz de julgar, purgar ou absolver as Grandes Figuras, à luz da obra que fizeram ou testemunho que receberam ou passaram.

É cômputo geral dos historiadores da Nova História, que a evolução da Humanidade não depende apenas dessas grandes figuras que, muitas vezes, por acaso, tomam os destinos dos seus povos. O perigo de olhar para o passado com os óculos do presente( anacronismo) é, de igual forma, um acto errático. A História obedece à evolução de uma conjugação de conjunturas: o processo das próprias mentalidades e as suas diversidades que determinam a heterogénea percepção do que os rodeia; a evolução da estrutura económica; o movimento ou não da esfera social; a condicionante política; a veiculação cultural; a novidade do perfil da psicologia social.
Estes Grandes Portugueses não são estanques no tempo em que viveram. São produto/ resultado e condição do próprio processo histórico: entender Salazar, por exemplo, sem perceber a conjuntura política, económica, mental, cultural e social em que se insere a sua acção é , de toda a forma, o grande erro destes julgamentos televisivos (promovendo a construção de erros e falsas percepções). O próprio Marquês de Pombal que, para perceber a sua obra bastar-nos-á dar uma volta em redor da sua estátua na rotunda lisboeta com o seu próprio nome, é resultado da sua vivência e experiência estrangeira em contacto com o Iluminismo europeu mas inserido num século igualmente de apogeu da cultura centralista do poder.
A edificação de um Museu dedicado ao “ditador português” e ao período da História incontornável, que , sem dúvida, ainda marca bastante a actualidade nacional, é algo de meritório: o querer fechar os olhos e o querer esquecer é um acto de cobardia imenso. As pessoas devem, e têm obrigação de, perceber o Estado Novo e toda a História de Portugal não só pelos actos heróicos ou horrendos de cada uma das personagens, mas sim de uma forma construtiva, orgânica e estabelecida numa lógica de evolução das próprias sociedades.

O ESTADO SOMOS TODOS NÓS

O ESTADO SOMOS TODOS NÓS

Ontem, ao dar uma aula sobre os princípios iluministas e o papel do pensamento de John Locke na formação do conceito de "Sociedade Civil/Contrato Social" fui interpolado, no fim da aula, por uma aluna que defendia que a democracia em Portugal está "de rastos"...Perguntei-lhe se estava de rastos a Democracia ou o modo como a utilizamos...ou seja...a Sociedade Civil e o seu (não) funcionamento.

Desde míudo, a actividade política sempre preencheu o quotidiano.Muito devido ao facto da minha mãe ter sido militante do Partido Socialista e acérrima defensora e admiradora de um dos "pais da democracia em Portugal" Mário Soares.Lembro-me da sua primeira eleição em 1985/86 e da "luta" travada entre ele, Diogo Freitas do Amaral, Francisco Salgado Zenha e a recentemente falecida Maria de Lourdes Pintasilgo.Portugal recuperava ainda de tempos confusos, de acesa luta ideológica e a sua entrada na CEE parecia relançar este país no futuro, no "european compromise"...Eram tempos novos: Aníbal Cavaco Silva era o novo "timoneiro" dos destinos do País e Mário Soares (eleito na 2ª volta de uma das mais interessantes lutas políticas dos últimos 30 anos com outra referência democrática, Freitas do Amaral).Portugal tinha, pela primeira vez, um presidente "outsider" da esfera militar e propunha-se uma completa, mas racional, laicização do Estado com ideias fortes e contrapesos vindos de São Bento, em que emergia a "grande figura de Estado" Cavaco Silva.O auge da política aberta, "à queima roupa" começava a ser deixada para trás. O "fantasma" do pouco esclarecido desaparecimento de Francisco Sá Carneiro atenuou e fez uma aproximação dos polos ideológicos. Antes, as cisões político-partidárias eram agudas e gravosas , sendo os seus líderes autênticos "opinionistas" e vozes activas. Era uma política pura. Feita por gente que sentiu na pele as garras venenosas do regime antigo. Era gente com vivência de campo, com formação construtiva de tabús academistas vocacionados mas, ao mesmo tempo, respeitadores da ideia contrária mas plenamente justificada.Mas sentia-se a ideia de "Estado".Eu penso que o marasmo a que a política chegou em pleno século XXI deve-se muito à falta de análise epistemológica do que significa o conceito "Estado-Nação". Toda a gente confunde o Estado com o Poder e, vendo bem, essa concentração é viável.O Estado é uma entidade abstracta, teórica e plenamente modulativa. É esquemática na sua própria aplicação no campo real. O Estado somos todos nós e a sua construção e manutenção diz-nos a todos respeito pois é o Estado esse campo abstracto mas imanente em que nós vivemos.Por tudo isto o Estado existe porque nós existimos e o Estado tem de nos servir pois ao Estado nós teríamos de servir.O Estado é um fim utópico do bem estar geral das pessoas, enquadramento espacial e abstracto.


CRISE DO PROVIDENCIALISMO DO ESTADO?

Penso que grande parte dos graves problemas que assolam o país devem-se ao facto das pessoas nomeadas para gerir esta entidade esquecerem-se do seu objectivo primordial. As próprias leis, baseadas na suprema lei natural das garantias, igualdades e liberdades das pessoas, servem para que não se torne o Estado um antro de confusão e manifestações anárquicas. A liberdade do Homem termina quando excede os limites da do próximo (princípios filosóficos do Iluminismo que foram base do Estado Moderno e Contemporâneo).O Estado ganhou, nas primeiras décadas do século XX, o carácter de Providência reivindicando o carácter humanista de suporte e apoio social.
Tudo isto para dizer que a política é uma forma de gerir os problemas do Estado, servir o Estado em si, ou seja, as pessoas. Mas os políticos esquecem-se por vezes disso.E por isso não se compreende a razão de poupar e apertar o cinto quando há milhares e milhares de pessoas que não têm assistência médica, que não têm dinheiro para se alimentar ou para poder ver os seus filhos na escola. Onde é que está então esse Estado Providência?E por isso acho totalmente uma hipocrisia os políticos afirmarem, c
om pânico, que a população portuguesa está a envelhecer e a taxa de renovação (nascimentos) esmorece de ano para ano. Neste momento, não há condições para que se assuma o risco de ter mais que uma criança no mundo, ou melhor, neste país.
A questão do aborto e o referendo realizado invocam algo de muita fragilidade. A questão não é política... é acima de tudo uma razão de consciência social que seria resolvida através do recurso ao referendo (consulta aos cidadãos). Não me choca o facto de o nível de abstenção ter sido tão elevado. Aliás eu votei mas as minhas dúvidas ainda não estão hoje dissipadas.
O que me preocupa, além da penalização ou não da mulher (e o homem) que o queira fazer, é o facto da mentalidade deste país não estar preparada para uma revolução necessária: educação sexual e planeamento familiar, nas bases da educação, de forma efectiva. A questão que eu ponho é a seguinte: estará, a título de exemplo, uma família no "Portugal dito Profundo" preparada para que o seu filho chegue a casa e diga, ao jantar, que "a professora ensinou-a (o) a utilizar a pílula, o preservativo e sensibilizou-a (o) para os problemas para além do puro prazer e curiosidade sexual"?
Pergunto também: estará o país preparado, em termos de infra estruturas, para acolher os tais gabinetes de planeamento familiar e consultas de acompanhamento/reflexão que se idealizam como, legalmente, obrigatórias para a mulher/casal que deseje não ter a criança, sabendo nós das (eternas) falhas do SNS (Serviço Nacional de Saúde)?
As teses economicistas, que apelaram ao "Não" no referendo e condenam a utilização dos dinheiros públicos nas cirurgias para abortar, terão razão ao utilizar estas formas de sensibilização?
Penso que o aborto (salvo nas condições previstas pelo texto legal ainda em vigor) não é uma doença...é uma opção...a responsabilidade das pessoas deve ser reafirmada...acho que uma mulher não deve ser penalizada mas a opção pela interrupção voluntária da gravidez, numa forma regular, não deve ser considerada prioritária (salvos nos casos já estipulados) e, por isso, volto a perguntar: Estará o nosso país preparado para isto?
A vitória do "Sim" no referendo tem uma leitura importantíssima: a necessidade da criação de um SNS mais igualitário e equitativo mas a pergunta feita no anterior parágrafo ainda está de pé?
Um país em que cada vez menos crianças nascem...e o Estado? Que papel tem o Estado entre a espada e a parede?