sábado, 17 de março de 2007

O ESTADO SOMOS TODOS NÓS

O ESTADO SOMOS TODOS NÓS

Ontem, ao dar uma aula sobre os princípios iluministas e o papel do pensamento de John Locke na formação do conceito de "Sociedade Civil/Contrato Social" fui interpolado, no fim da aula, por uma aluna que defendia que a democracia em Portugal está "de rastos"...Perguntei-lhe se estava de rastos a Democracia ou o modo como a utilizamos...ou seja...a Sociedade Civil e o seu (não) funcionamento.

Desde míudo, a actividade política sempre preencheu o quotidiano.Muito devido ao facto da minha mãe ter sido militante do Partido Socialista e acérrima defensora e admiradora de um dos "pais da democracia em Portugal" Mário Soares.Lembro-me da sua primeira eleição em 1985/86 e da "luta" travada entre ele, Diogo Freitas do Amaral, Francisco Salgado Zenha e a recentemente falecida Maria de Lourdes Pintasilgo.Portugal recuperava ainda de tempos confusos, de acesa luta ideológica e a sua entrada na CEE parecia relançar este país no futuro, no "european compromise"...Eram tempos novos: Aníbal Cavaco Silva era o novo "timoneiro" dos destinos do País e Mário Soares (eleito na 2ª volta de uma das mais interessantes lutas políticas dos últimos 30 anos com outra referência democrática, Freitas do Amaral).Portugal tinha, pela primeira vez, um presidente "outsider" da esfera militar e propunha-se uma completa, mas racional, laicização do Estado com ideias fortes e contrapesos vindos de São Bento, em que emergia a "grande figura de Estado" Cavaco Silva.O auge da política aberta, "à queima roupa" começava a ser deixada para trás. O "fantasma" do pouco esclarecido desaparecimento de Francisco Sá Carneiro atenuou e fez uma aproximação dos polos ideológicos. Antes, as cisões político-partidárias eram agudas e gravosas , sendo os seus líderes autênticos "opinionistas" e vozes activas. Era uma política pura. Feita por gente que sentiu na pele as garras venenosas do regime antigo. Era gente com vivência de campo, com formação construtiva de tabús academistas vocacionados mas, ao mesmo tempo, respeitadores da ideia contrária mas plenamente justificada.Mas sentia-se a ideia de "Estado".Eu penso que o marasmo a que a política chegou em pleno século XXI deve-se muito à falta de análise epistemológica do que significa o conceito "Estado-Nação". Toda a gente confunde o Estado com o Poder e, vendo bem, essa concentração é viável.O Estado é uma entidade abstracta, teórica e plenamente modulativa. É esquemática na sua própria aplicação no campo real. O Estado somos todos nós e a sua construção e manutenção diz-nos a todos respeito pois é o Estado esse campo abstracto mas imanente em que nós vivemos.Por tudo isto o Estado existe porque nós existimos e o Estado tem de nos servir pois ao Estado nós teríamos de servir.O Estado é um fim utópico do bem estar geral das pessoas, enquadramento espacial e abstracto.


CRISE DO PROVIDENCIALISMO DO ESTADO?

Penso que grande parte dos graves problemas que assolam o país devem-se ao facto das pessoas nomeadas para gerir esta entidade esquecerem-se do seu objectivo primordial. As próprias leis, baseadas na suprema lei natural das garantias, igualdades e liberdades das pessoas, servem para que não se torne o Estado um antro de confusão e manifestações anárquicas. A liberdade do Homem termina quando excede os limites da do próximo (princípios filosóficos do Iluminismo que foram base do Estado Moderno e Contemporâneo).O Estado ganhou, nas primeiras décadas do século XX, o carácter de Providência reivindicando o carácter humanista de suporte e apoio social.
Tudo isto para dizer que a política é uma forma de gerir os problemas do Estado, servir o Estado em si, ou seja, as pessoas. Mas os políticos esquecem-se por vezes disso.E por isso não se compreende a razão de poupar e apertar o cinto quando há milhares e milhares de pessoas que não têm assistência médica, que não têm dinheiro para se alimentar ou para poder ver os seus filhos na escola. Onde é que está então esse Estado Providência?E por isso acho totalmente uma hipocrisia os políticos afirmarem, c
om pânico, que a população portuguesa está a envelhecer e a taxa de renovação (nascimentos) esmorece de ano para ano. Neste momento, não há condições para que se assuma o risco de ter mais que uma criança no mundo, ou melhor, neste país.
A questão do aborto e o referendo realizado invocam algo de muita fragilidade. A questão não é política... é acima de tudo uma razão de consciência social que seria resolvida através do recurso ao referendo (consulta aos cidadãos). Não me choca o facto de o nível de abstenção ter sido tão elevado. Aliás eu votei mas as minhas dúvidas ainda não estão hoje dissipadas.
O que me preocupa, além da penalização ou não da mulher (e o homem) que o queira fazer, é o facto da mentalidade deste país não estar preparada para uma revolução necessária: educação sexual e planeamento familiar, nas bases da educação, de forma efectiva. A questão que eu ponho é a seguinte: estará, a título de exemplo, uma família no "Portugal dito Profundo" preparada para que o seu filho chegue a casa e diga, ao jantar, que "a professora ensinou-a (o) a utilizar a pílula, o preservativo e sensibilizou-a (o) para os problemas para além do puro prazer e curiosidade sexual"?
Pergunto também: estará o país preparado, em termos de infra estruturas, para acolher os tais gabinetes de planeamento familiar e consultas de acompanhamento/reflexão que se idealizam como, legalmente, obrigatórias para a mulher/casal que deseje não ter a criança, sabendo nós das (eternas) falhas do SNS (Serviço Nacional de Saúde)?
As teses economicistas, que apelaram ao "Não" no referendo e condenam a utilização dos dinheiros públicos nas cirurgias para abortar, terão razão ao utilizar estas formas de sensibilização?
Penso que o aborto (salvo nas condições previstas pelo texto legal ainda em vigor) não é uma doença...é uma opção...a responsabilidade das pessoas deve ser reafirmada...acho que uma mulher não deve ser penalizada mas a opção pela interrupção voluntária da gravidez, numa forma regular, não deve ser considerada prioritária (salvos nos casos já estipulados) e, por isso, volto a perguntar: Estará o nosso país preparado para isto?
A vitória do "Sim" no referendo tem uma leitura importantíssima: a necessidade da criação de um SNS mais igualitário e equitativo mas a pergunta feita no anterior parágrafo ainda está de pé?
Um país em que cada vez menos crianças nascem...e o Estado? Que papel tem o Estado entre a espada e a parede?

2 comentários:

Su disse...

Tem que se começar por algum lado, certo? Talvez este referendo com o seu SIM (felizmente) vitorioso tenha sido o 1º passo para uma mudança que se torna urgentíssima...

Anónimo disse...

Sinceramente, continuo a achar que nada vai mudar...não me preocupa o aborto...preocupa-me sim o que está antes e depois...