segunda-feira, 6 de agosto de 2012

eu, coelho, me confesso

Passos Coelho está prestes a celebrar o seu primeiro ano como primeiro-ministro.
Há um ano, em plena campanha, Passos garantia que (a sua) linha de orientação para atacar os problemas financeiros que Portugal apresentava (e apresenta) não passariam pelo aumento da receita extraordinária, mas sim pela redução do despesismo. As "gorduras", como ele apelida frequentemente a exagerada despesa do Erário Público.
Há pouco mais de um ano, Passos Coelho levou à demisão de José Sócrates por não aprovar um Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC, o IV) que, segundo o então líder da oposição, não terá sido previamente apresentado em sede parlamentar para debate entre as diversas forças partidárias. Outra das razões para este não alinhamento com Sócrates terá sido o facto de a receita do mesmo diploma apresentar uma receita fiscal que, segundo Passos, se tornaria incomportável para um país já massacrado (reparem na tónica melodramática utilizada) por tanta carga fiscal.
Há pouco mais de um ano, Passos falava de transparência e rigor na forma como a política deveria ser feita em Portugal, criticando, aliás como têm feito tantas vezes os vários líderes laranjas enquanto estavam na oposição, as manobras de marketing, propaganda e manipulação da realidade do governo Sócrates.
Há cerca de um ano, Passos assumia uma rutura com a recente história política.

Um ano depois, sensivelmente, Passos demonstrou que a receita por ele utilizada é pouco ou muito mais do mesmo: uma escalada na subida de impostos; cortes salariais e nas prestações sociais; desinvestimento. Passos, que se apresentou ao eleitorado como um lobo em pele de coelhinho, pôs em ação toda a sua veia ideológica neoliberal. Não sou contra o neoliberalismo mas entendo que, se não houver um equilíbrio (e aqui o papel do Estado é decisivo) entre o que o Estado pode e deve fazer e onde deve intervir juntamente com a libertação da iniciativa individual, corremos o risco de vermos agravar os profundos desequilíbrios tão evidentes na nossa estrutura socioeconómica. Concordo que o despesismo deve ser, de vez, estancado. Concordo com o primeiro-ministro ao dizer que vivemos décadas acima das nossas reais possibilidades. Mas lembre-se, senhor primeiro-ministro, Portugal, há 25 anos, foi bajulado pelo El-Dorado da comunidade europeia. Sucessivos governos e think-tanks cá do burgo andaram a apregoar ao consumismo...a recuperar épocas perdidas...a corrermos loucamente de forma a ombrearmos com o nível de vida e padrões socioeconómicos de uma Europa pós-moderna.
Apelaram para que nos endividássemos a comprar casas pois seria um investimento de futuro. Queimaram-se girassóis. Destruiram-se toneladas de fruta e leguminosas... o peixe nas nossas águas foi parar a outros quadrantes e a indústria "desindustrializou-se". Em prol de subsídios, fundos de apoio e fundos estruturais que o atual presidente, então primeiro-ministro, esbanjou em quimeras de betão e consórcios cervantescos.

Senhor primeiro-ministro: a receita da troika poderá funcionar nas sebentas e manuais de economistas proeminentes da escola de Chicago. Daqueles que têm fórmulas académicas polvilhadas de gráficos, tabelas e receituários próprios de qualquer tese de doutoramento que se preze. Falamos de economia real. Daquela com que o comum olha, com imensa frustração, para dentro da sua carteira ou para o saldo da sua conta bancária. E nisso, senhor primeiro-ministro, não há cá teorias mágicas que ajudem a melhorar. Eu sei que a sua base ideológica fala na competitividade, no crescimento. Eu ainda não entendi bem a semântica destes dois fonemas. Talvez deseje que cada pessoa se torne empresário... endividando-se, colocando uma corda ao pescoço e suicidando-se a seguir. Pois assim talvez consiga resolver o problema do desemprego...

O FMI continua a tentar fazer funcionar a sua receita. Cabe agora a Portugal fazer o papel de cobaia neste laboratório de experiências economicistas. Desde 1979 que a instituição supra-nacional procura provar ter razão: a Argentina foi o caso mais emblemático de um feitiço que se virou contra o feiticeiro. 
O desprezo pelas realidades distintas de cada situação levam a que o sentimento anti-FMI/BCE/UE cresça cada vez mais. Pois sabemos perfeitamente que há uem ganhe muito dinheiro com o mal dos outros.
Acreditar que Portugal conseguirá, em 2013, regressar à emissão de dívida pública é demagogia da mais insensata!