terça-feira, 5 de julho de 2011

há vida para além da europa? (3ª parte) - o euro ou o "eurro"?

A ideia de uma moeda única vem já dos tempos da 2ªGuerra Mundial.
Numa altura em que o conflito parecia caminhar para o seu epílogo,  representantes de vários países reuniram-se numa cidadezinha americana de Bretton Woods (estado de New Hampshire) para decidir e regulamentar as relações económicas e estratégias financeiras mundiais após o conflito. A ideia permente e fundamental seria evitar um novo colapso financeiro e económico semelhante áquele que se viveu na Europa após 1919 e que se agravaria nos anos 30, favorecendo a ascensão de regimes nacionalistas e comunistas face ao descrédito que a ineficiência dos regimes liberais demonstrou.
A ideia de uma unidade monetária mundial veio da cabeça de John Maynard Keynes, o defensor/teórico do papel do Estado na Economia e na resolução de assimetrias sociais. Aquele mesmo que hoje em dia é acusado de todos os males face ao tsunami ultraliberal que varre os países e pólos económicos actuais.

O "Bancor" seria então uma ideia que cairia por ali. Apesar da proposta britânica, os EUA fizeram valer a força da sua divisa que passaria a garantir a estabilidade das outras moedas através da conversão no padrão-ouro. Esta seria uma das condições para a força de crescimento económico que se assistiu nos 30 anos que se seguiram ao fim da guerra. Para os EUA, o dólar como divisa-padrão alimentaria as estratégias económicas americanas. Garantida que está a segurança e estabilidade monetárias, todo um novo mundo de investimentos e novos mercados se abriria à América.

Só nos anos 70 do século XX é que este acordo monetário celebrado em Bretton Woods cairia em desgraça: os EUA não eram já a única grande força económica no mundo. A Europa aprofundava a sua estratégia comunitária. A Ásia fortalecia-se e a guerra do Vietname originou a delapidação das reservas federais norte-americanas. Richard Nixon suspende então a garantia de convertibilidade das divisas mundiais perante o dólar. Os EUA deixavam de ser o "porto de abrigo" das demais moedas mundiais. Para agravar tudo isto, os choques petrolíferos dos anos 70 trouxeram ao mundo uma nova e cruel realidade: o petróleo, base de crescimento das economias ocidentais, deixaria de ser uma matéria-prima vendida ao preço da chuva para começar a influir dramaticamente nas sucessivas crises inflacionistas que se verificaram desde então.
Findo o sistema monetário de Bretton Woods, as moedas mundiais passariam a obedecer (valorizando-se e desvalorizando-se) a um novo sistema de taxas de conversão flexível.

Desde então que a volatilidade da confiança nas moedas é uma realidade crua e dura. A Europa teve de repensar a sua estratégia de forma a consolidar o seu programa cooperativo.
A visão keynesiana entrava também numa espiral crítica: subsídios estatais, garantias de plena emprego e gastos públicos com empresas, obras e demais obrigações vieram demonstrar que os estados deveriam olhar de forma mais racional e fria para aquilo que se apelidou na altura de Estado-Providência.
Os anos 80 ficaram marcados pela reconversão das políticas públicas num género de retorno à economia liberal do século XIX: economistas, como Milton Friedman, defenderam a diminuição do peso estatal na economia. Privatizar, liberalizar, globalizar e premiar a livre-iniciativa seria prenúncio de crescimento económico de forma a recuperar do abalo gerado pelas crises dos anos 70.

Os anos 80 na Europa ficariam marcados, então, pela reorientação e reconversão das economias. O pleno emprego, pilar fundamental do estado social que imperava na Europa desde finais da década de 40, foi entrando em negação. A abertura das linhas de comércio fortaleceu outras áreas, fazendo-as desenvolverem-se fortemente. Acordos financeiros, alfandegários e económicos teletransportaram fábricas do ocidente para regiões anteriormente consideradas periféricas onde as mais-valias concorrenciais de produção ofereciam maior lucro. A desindustrialização da Europa marcou a crescente terciarização da populaçãodo Velho Continente!

Perante as instabilidades económico-financeiras, a Europa encontrava-se em novo dilema: era necessário garantir a paz política. Mas para isso havia que garantir a paz económica através da cooperação entre os países da CEE.
O monetarismo e o fantasma das crises financeiras dos anos 70 levaram a que se aprofundasse a cooperação económica europeia através da cooperação financeira: uma moeda comum seria vista como forma de uma Europa se pronunciar a uma só voz perante as flutuações monetárias que marcaram o mundo desde os anos 70. Primeiro o ECU, depois o EURO.

Para além da força de uma moeda única que encontraria credor na força de uma economia dinâmica, a moeda única europeia seria, a partir de 2002, o principal sinal daquilo que os pais fundadores da Europa Comunitária pensaram: integração económico-financeira trará integração política. A Europa teria de se impor num mundo pelos seus traços civilizacionais. A referência nas notas a movimentos artísticos, desde o período românico, afirmava este modelo civilizacional e cultural da Europa identificada em cada um dos países. As portas seriam a metáfora de uma Europa sem fronteiras em que tudo dali para a frente se apresentaria sem limites...
O EURO era o triunfo de cerca de meio século de aprofundamento do projecto europeu. A Europa deixava de ser o centro do planisfério. 
Hoje a Europa não concorre sozinha. Tem outros pólos que se assumem no centro nevrálgico daquele espectro da globalização.
Os dirigentes europeus acharam que cada um dos países, por si só, não seria capaz de, sozinho, se assumir no mundo. O EURO era o tal sinal de uma Europa verdadeiramente comunitária.

Hoje, e quase uma década após a entrada em circulação da moeda única europeia, assistimos a um enorme ataque especulativo por parte das agências de rating americanas ao EURO. Será uma guerra financeira tendo em vista o fortalecimento da divisa americana? Será um ataque especulativo das instituições da alta finança... os "célebres mercados"?

O EURO existe por todas estas razões. E o EURO deveria garantir a sua força numa economia verdadeiramente cooperativa e dinâmica.
Portugal não percebeu o que era o EURO. Se a integração europeia teve, para Portugal, as suas deficiências, a entrada no EURO levou o país ao tapete. De vez.
Os fundos estruturais que chegavam da Europa esgotaram-se... ou evaporaram-se, não havendo rigoroso conhecimento onde páram. Construiram-se obras de regime e o país ambicionou um modelo de consumo enganador. A nossa economia foi dilacerada e, a pouco e pouco, os alertas foram sendo dados: se um país não dá garantias de produção e dinamismo numa economia globalizada, não gera riqueza. Se não gera riqueza, terá de ir lá fora endividar-se. Se o país não consegue pagar as suas dívidas, o crédito torna-se mais difícil. E é isto o que acontece.
Se antigamente a prática da "quebra da moeda" era recurso inevitável, a moeda única tem, inversamente, um largo problema. Se, estando num sistema económico com outros países muito mais dinâmicos, não demonstra competitividade, Portugal arrisca-se a ser o joio na seara europeia. Pois não gera confiança pela sua economia.

O EURO arrisca-se a não cumprir uma década em circulação. E aqui começa o fim do projecto europeu: se se fala da inexistência de um espírito federalista em termos políticos, em termos económicos faltará ainda o espírito solidário que una países ricos e países pobres na Europa. E foi a solidariedade e cooperação que geraram no segundo pós-guerra a fundação daquilo que iria a ser o projecto europeu. 
Actualmente, Alemanha e França olham para os PIGS (Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha) como entraves aos seus interesses. Por mais planos de reestruturação das dívidas e empréstimos do FMI/BCE/UE, o mal está lançado. Não há solidariedade na Europa. Mas os portugueses tendem a ver sempre o seu lado, assumindo-se como coitadinhos por todos os males que sob si recaíram. Os filandeses perguntam: "Como é possível que um país, que teve duas intervenções do FMI em 30 anos, tenha agora de recorrer à terceira assistência?".
Não acredito na Europa actualmente. É um projecto falido e sinto que Bruxelas, como centro decisório, se afasta cada vez mais da cidadania europeia...infelizmente.