terça-feira, 5 de janeiro de 2010

como te compreendo!

Poeta, artista plástico, dramaturgo, ensaísta e talvez até futebolista. No manifesto anti-dantas intitula-se poeta d'orpheu futurista e tudo. Almada é uma figura singular da cultura portuguesa, resistente ao estado das coisas e não conformado com as vontades estabelecidas.

«Eu tenho 22 anos fortes de saude e de inteligencia.
Eu sou o resultado consciente da minha propria experiencia […]. A experiencia d’aquele que
assistindo ao desenrolar sensacional da propria personalidade deduz a apotheose do homem
completo.
[…] e creio-me, como portuguez, com o direito de exigir uma patria que me mereça. […]
Resolvei em patria portuguesa o genial optimismo das vossas juventudes.
Dispensae os velhos que vos aconselham para vosso bem e atirae-vos independentes prá
sublime brutalidade da vida. Criai a vossa experiencia e sereis os maiores.
[…]
Portugal é um paiz de fracos. Portugal é um paiz decadente:
1 – porque a indiferença absorveu o patriotismo.

[...]

Eu não pertenço a nenhuma das gerações revolucionárias. Eu pertenço a uma geração construtiva. (…) É preciso criar a pátria portuguesa do século XX. O povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem Portugueses, só vos faltam as qualidades

[...]
É preciso criar o espirito de aventura contra o sentimentalismo litterario dos passadistas.
[…]
É preciso ter a consciencia exacta da Actualidade.
[…]
Finalmente: é preciso criar a patria portugueza do seculo XX.»


José de Almada Negreiros, «Ultimatum futurista às gerações portuguezas do Seculo XX» [1917]

sábado, 2 de janeiro de 2010

ano novo, vida velha

Frontispício de um jornal satírico português durante a I República (1922)

Uma vez mais a mensagem de Ano Novo vinda do Palácio de Belém fez menção ao clima de calamidade pública que assola a sociedade portuguesa. Factores que contribuiram para este estado das coisas? A descredibilização crescente da classe política perante a opinião pública dada a ausência de resposta aos reais problemas da sociedade. Mais preocupados com querelas do foro partidário, os políticos portugueses caminham rumo a uma imagem pública destroçada, sem transmitir esperança e confiança ao mesmo corpo social. Não são os únicos responsáveis pois quem os elege tem também uma quota de responsabilidade na estagnação política que se vive em Portugal. Os portugueses têm medo de mudar e, face à ausência de ideias realmente inovadoras e viáveis, limitam-se a prolongar a permanência de todos estes senhores no hemiciclo de S.Bento.
As palavras de Cavaco Silva foram sábias mas, sinceramente, não era necessário ser presidente da República para saber diagnosticar os males que assolam o nosso Estado-Nação.
Cavaco Silva começou por puxar dos galões: alertou para o perigo de um exagerado investimento público (clara menção às tão anunciadas mega-empreitadas do TGV e do Aeroporto) se reflectir numa incontrolável despesa pública. De seguida, e numa clara alusão ideológica social-democrata, Cavaco defendeu o apoio às PME's como fundamental para uma economia mais inovadora e competitiva. Esta empresas, segundo o presidente, albergam, cada uma, uma média de 20 trabalhadores e devem ser alvo de atenção por parte do Estado: o Estado deve acima de tudo garantir a estabilidade do sistema jurídico e fiscal mas, de uma forma profundamente liberal, o mesmo Estado deverá emiscuir-se de todas as limitações e imposições ao desenvolvimento económico. Neste campo, Cavaco Silva chamou também a atenção das instituições financeiras para a sua boa conduta, ou seja, deverão garantir o acesso das mesmas empresas aos créditos. De seguida, o presidente mencionou o grande martírio que assola o país: uma taxa de desemprego que ultrapassa já os dois dígitos, prevendo-se um agravamento da mesma nos tempos mais próximos. "Confiança" foi o termo usado como forma de atenuar o sofrimento de todos aqueles que engrossam a dita taxa. E nisto Cavaco Silva recordou a História de Portugal cujo exemplo glorioso deveria inspirar, orgulhosamente, os tempos actuais. Neste aspecto torço sempre o nariz pois a História de Portugal revela-nos, muitas vezes, momentos em que nos apercebemos que, na verdade, somos um país sem visão, apegado a paternalismos de contornos quase surreais e doentios e sem vontade para arriscar.
Muitos são os economistas que apontam a histórica estagnação de Portugal desde o século XV, na altura em que Portugal apenas facultava o transporte dos produtos da Expansão e, limitados e condicionados pelo monopólio comercial da Coroa, viam a burguesia estrangeira a comprar em Lisboa os produtos que mais tarde voltariam a entrar em Portugal, já transformados, mas pelo dobro ou o triplo daquilo que os cofres portugueses tinham auferido.
Ou seja, os clamores do Presidente chovem em piso molhado: apelar à inovação e ao empreendedorismo num país com um Estado altamente burocrático em que, para realizarmos uma simplesoperação, temos obrigatoriamente de assinar um sem número de papéis e perder tempo em idas a um infindável número de balcões e repartições?

Um governo minoritário que chora por se sentir minado por uma oposição que lhe condiciona o trabalho. Uma oposição que aterroriza o governo ameaçando boicotar as medidas e os orçamentos. O fantasma das eleições antecipadas paira no país. O presidente reafirma a legitimidade do governo, portador de todas as condições para governar. Apela ao bom senso e à concordâncio no ano que agora entra. A guerra entre Belém e S.Bento alimenta os jornais e os noticiários. Sócrates sente a pressão vinda e todas as latitudes. Uma oposição que não se opõe de uma forma correcta, funcionando como contra-poder. Cavaco recusa ser ele, o Presidente, a ter que representar um papel que não lhe compete. Algo que me faz questionar a real função da instituição da Presidência. Nos EUA, o presidente governa. Na França também. Em Portugal, por força do historicismo, previu-se uma completa separação constitucional dos poderes de forma a evitar uma associação da figura presidencial a um partido político.

Por fim, Cavaco assumiu a sua total indiferença em relação às medidas de cosméticas adoptadas pelo executivo: o casamento homossexual e a questão da adopção não são questões fulcrais para o país. Ou pelo menos que mexam com a generalidade da população.

E assim continuamos numa senda de recados e diz que disse ou não disse a caminho do caos social. Para o ano, a mensagem será a mesma conversa...vai uma aposta?

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

na grafenola...neste virar de ano...

Em termos musicais, este ano termina com enormes (e boas) referências. De forma sucinta, revelo aqui o que vai passando (e marcando) cá em casa e no carro. Destaco já, em primeiro lugar, uma grandiosa descoberta: os Animal Collective cujo disco Merriweather Post Pavillion, que não é nem mais nem menos que o seu oitavo disco de estúdio, se afigurou como do melhor que este ano de 2009 nos deu em termos musicais.
Difícil de catalogar, a música destes americanos do Maryland transporta-nos num autêntico carnaval de texturas sonoras que demonstram influências que vão desde as melhores referências da música popular americana até aos sons sinfónicos mais classicistas, mesmo barrocos, passando pela electrónica e pop, sem complexos. Mas tudo isto ganha uniformidade a partir de uma coerente e expressiva linguagem musical muito própria. Um grandioso trabalho. Fica aqui o single "My Girls".
Continuando em terras do Tio Sam, um regresso muito saudado. Os Flaming Lips são talvez uma das bandas mais estimulantes da actualidade. Nunca se sabe bem que direcção irão, de um disco para o outro, tomar. E essa incerteza fá-los continuar a preservar um nicho de mercado só deles. Wayne Coyne, líder e alquimista da banda americana, concebe a música dos Flaming Lips como um autêntico jogo de cores, sons e derivações que se conjugam numa apoteótica cacofonia, jogando com os ruídos e os silêncios, tentando envolver o ouvinte em autênticos labirintos musicais. Os discos dos Flaming Lips são autênticas lições de trabalho de estúdio e de experiência musical. Se o anterior registo, At War with the mystics (2006), revelou por vezes uma tentativa de chegar a patamares mais próximos da canção pop (recordo Yeah,Yeah,Yeah Song), no seguimento do que havia sido feito deste o magistral Soft Bulletin (álbum de 1999) e Yoshimi battles the pink robots (2002), este novíssimo Embryonic vem fechar as dúvidas quanto a uma eventual atenuação da loucura da banda de Wayne Coyne. Embryonic traz quase duas dezenas de faixas cujo mistério se vai desvendando uma a uma, ao longo do processo de audição. Este disco (e os outros dos Flaming Lips) é daqueles que temos de ouvir várias vezes, em diferentes estados de espírito e em diferentes aparelhagens.
Deixo aqui este Convinced of the hex. Fiéis às suas influências e heróis musicais, os Flaming Lips, para além do lançamento deste Embryonic, lançam também a sua versão de "Dark Side of The Moon", obra clássica dos Pink Floyd. Já tive oportunidade de ouvir no site oficial da banda e posso dizer que é magistral a forma como Coyne e Cª revisitam uma das maiores relíquias da música dos últimos 40 anos. Depois de ouvir a versão dos Flaming Lips, coloquei no gira-discos o velhinho álbum dos Pink Floyd. Como uma visão futurista de uma peça de Sófocles ou Shakespear, esta nova versão do clássico disco é uma autêntica homenagem à mítica banda inglesa (que tanto terá ensinado a Wayne Coyne). A aguardar edição nacional mas já disponível no Itunes.

do novo ano

A minha passagem de ano foi, uma vez mais, muito calma e serena. Tal e qual o ano passado, entrei no ano novo junto de amigos e família. A grande novidade deste ano foi, sem dúvida, a presença do meu pequenote que, apesar de estar a dormir no momento em que se começavam a ouvir os primeiros fogos de atrofício na rua, deu outro encanto a este fechar/abrir de mais um ciclo.
E assim se fechou mais um ciclo: mensalmente, fui fazendo um balanço deste ano aqui no meu espacinho, formulando opiniões em relação ao que se ia passando... Ao contrário de outros anos, este 2009 foi especial só pelo facto de ter subido um enorme degrau na escala social e humana: fui (sou e serei) pai!
De resto, um ano igual a todos os outros. Com os seus sucessos e, obviamente, frustrações, alegrias e tristezas.

Obviamente, a maior alegria foi o nascimento do meu primogénito varão mas este ano que findou ficou marcado por alguns momentos de tristeza e enorme ansiedade.
Destaco o susto que a minha mãe apanhou ao ter passado por alguns momentos de aflição que culminariam no seu internamento hospitalar. Por irónico que seja, a doença da minha mãe revelou-se praticamente na altura em que ela tinha atingido a maior alegria na sua vida: ser avó.
Entre as muitas probabilidades para diagnosticar o que se passava, pensou-se nos piores cenários. Após a despistagem de um eventual mal cancerígeno, e após toda uma série exaustiva de exames, internamentos e intervenções cirúrgicas, quase por milagre descobriu-se que, afinal de contas, ela tinha uma infecção no intestino provocada pelo alojamento de uma espinha de peixe (!?!?!?) que infectou uma parte daquela zona do aparelho digestivo.
Do mal o menos, a minha mãe assustou-se e assustou toda a família e amigos. Ainda por cima numa altura em que o que ela mais desejava era aproveitar ao máximo a alegria de ter, finalmente, um neto. Felizmente, a coisa resolveu-se a bem mas fica o susto de termos a sensação de que tudo na vida é incerto e volátil. Hoje em dia a minha mãe parece que ficou 20 anos mais nova e com outra vontade de viver... felizmente!!!!

Por isso, peço que 2010 seja uma ano que traga estabilidade e saúde acima de tudo! Não peço mais que isto. E isto é já demasiado importante para que tudo o resto se componha e aconteça.
De resto, a abertura de mais um ciclo de 365 dias traz-nos sempre de volta a uma pole position recheada de objectivos, metas e convicções. Mesmo sabendo que se seria demasiado utópico achar que o mundo entraria finalmente nos eixos pelo facto de entrarmos noutro ano, deixo aqui alguns sonhos que, apesar de valerem o que valem por si, fazem-me encontar algum sentido na vida daqui para a frente.

Em termos pessoais e familiares: desejo saúde e estabilidade emocional para conseguir estar sempre à altura de todas as minhas responsabilidades, acrescidas essas pela enorme responsabilidade de contribuir para a educação e desenvolvimento do meu pequenote Diogo. Desejo ainda crescer em termos profissionais. Não falo de ganhar mais dinheiro ou atingir um novo patamar. Falo sim de um crescimento e amadurecimento no desempenho de todas as minhas funções, seja na escola, seja na música. Preciso de muita força de vontade, sacrifício e, acima de tudo, perceber finalmente que os dias só têm 24h!!!!!

Em termos gerais: desejo que o país se torne mais justo e que as pessoas se eduquem, fazendo desenvolver um importante factor chamado bom senso. Sabemos que o mundo, para ser justo para uns, terá sempre de o ser menos para outros. Em vez de reclamarmos e exigirmos, devemos ser acima de tudo menos egoístas e esforçarmo-nos para que a nossa realidade contribua realmente para uma melhor realidade em nosso redor. Gostava de ver este mesmo bom senso chegar às classes dirigentes: num país político cada vez mais semelhante aos tempos da I República, polvilhado de anarquia e corrupção, gostava de ver o fim deste regime dito democrático. Não sou favorável a regimes autoritaristas mas a autoridade não significa obrigatoriamente autoritarismo...

Em termos culturais e sociais: gostava de ver um país que se lembrasse que o patriotismo não deverá ser apenas aceso quando jogamos numa competição futebolística mundial ou europeia. Gostava de ver uma sociedade mais culta em termos de participação pública e consciente das dificuldades e necessidades, vivendo dentro das suas reais possibilidades. Isto resolveria tanta coisa...
Que o futebol passasse a ter a importância que deveria ter, sem fomentar ódios ou os mais hediondos e macabros vícios da condição humana. É apenas um jogo... em que ganhe o que melhor jogar (se possível, o Benfica ;) )

Não peço a paz no mundo pois isso nunca será possível.
E para aqueles que vêem em Obama alguém de contornos messiânicos, só espero que continuem a acreditar nisso pois a esperança é uma das mais belas palavras criadas pelo Homem.
De resto, que o novo ano seja aquilo que vocês mais desejam...