sábado, 10 de setembro de 2011

O Coelhinho e o Calimero

Numa das recentes edições da revista Visão, é feita uma retrospectiva cronológica dos últimos doze meses políticos em Portugal.
Em Agosto de 2010, Passos Coelho, então líder da oposição, mostrava-se intransigente face à aprovação de um orçamento de estado (OE) para 2011 que consagrasse subidas de impostos. É sobejamente conhecida a tragicomédia em redor das negociações para o mesmo OE que envolveram PS e PSD. A Visão, na altura, afirmava que o líder laranja começava a trilhar o caminho para o poder.
Lá se aprovou o orçamento, contra ventos e marés...
Em Março de 2011, aquando da apresentação do PEC IV, o PSD decide não aprovar o dito plano. Se o PS não encontra consenso à direita, à esquerda BE e PCP cometem grave erro estratégico (as eleições de Junho seriam desastrosas para a esquerda portuguesa, com especial destaque para Louçã).
 Sócrates demite-se. Fugia-lhe das mãos o instrumento fundamental para poder continuar a governar. Os juros da dívida soberana da República Portuguesa atingiam máximos históricos diariamente.
No limiar do abismo, o PSD assumia-se como a única alternativa credível para tirar o país da encrusilhada, mostrando-se fiel depositário de uma receita que, segundo o seu líder, deveria ser aplicada, não pelo aumento da carga tributária, mas sim por uma lipoaspiração ao sector público e administração central.
Passos, sem nunca revelar a alquimia, comprometia-se com o eleitorado de forma peremptória.

Um ano depois...
Passos Coelho é líder de um executivo composto maioritariamente por ilustres anónimos. Ao contrário do PS, que nunca consegue um compromisso com uma esquerda mais preocupada em incendiar as ruas com a sua clássica toada, o PSD encontra a sua muleta no CDS-PP para obter uma maioria confortável. Paulo Portas chega então ao poder, negociando com Passos a atribuição dos ministérios e diversas funções.
O Governo Constitucional mais pequeno de sempre toma posse em Junho, a tempo da participação de Passos na cimeira do Eurogrupo desse mês.
Como todos os governos, este executivo teve um curtíssimo estado de graça. Portugal, não ainda recuperado das ambiguidades do executivo de Sócrates, reconhecia nesta juventude uma possível nova forma de enfrentar os problemas.
Com o memorando assinado com a "troika" como pano de fundo, rapidamente Passos Coelho vê esse estado de graça transformar-se em desconfiança e frustração por parte do eleitorado: o corte no 13º mês é visto como um autêntico saque à classe média. Mas, segundo o PSD, muito necessário. De seguida aumentam os transportes públicos. De seguida, aumento do IVA no gás e electricidade. Fica a sensação de que cada comunicação ao país feita por Vitor Gaspar (CEO das Finanças) é como uma autêntica praga bíblica.
Vem agora ao de cima o reconhecimento, por parte do governo da Madeira, que por lá o jardim de rosas atlânticas sufoca por entre os espinhos que florescem. Alberto João Jardim defende-se ao ataque. As suas declarações patéticas fazem-me lembrar Adolf Hitler em Abril de 1945 quando, em avançado estado de insanidade, continuava a fazer-se crer de que a guerra ainda iria ser ganha pelo III Reich...

Os dados acerca da economia nacional não são famosos: falências, falta de liquidez e acesso ao crédito, desemprego, regressão do consumo e uma sensação de desânimo total atravessa uma classe média cada vez mais nivelada por baixo. Apenas o crescimento da exportações atenuam um cenário de recessão há muito diagnosticado.
Muda o governo, a fórmula mantém-se.
Para isto, dá-me a sensação de que ser ministro das Finanças e da Administração é deveras fácil: basta ter cara de pau e aumentar impostos de forma a aumentar receita. Se a despesa deveria ser a principal forma de atacar o défice, Passos cria a sensação de que a dinâmica do seu executivo ruma em sentido contrário.
Acredito que tudo isto poderá ser necessário. Mas o país não vê uma luz ao fundo do túnel...
 Estão postas a nu todas as fragilidades que um país, enganado por discursos de ventura e bonança ao longo de 37 anos, revela agora.
O presidente da República mantém-se inactivo. Aquilo que prometera (uma magistratura atenta e activa) é agora justificada por já não ter os socialistas em S.Bento, mas sim os da mesma cor. Cavaco, que é o responsável pela total desindustrialização e abandono de terras em Portugal, fala da produção nacional e da sua urgência em se restabelecer. A diferença é que, entre 1985 e 1995, choviam fundos estruturais vindos de Bruxelas. Hoje em dia, de Bruxelas, só vem confusão e falta de liderança.

A crise da zona euro explica-se pelo simples facto da UE não existir mais. E se alguma vez existiu...
O euro está condenado e apenas vai sobrevivendo devido a cuidados paliativos por parte de uma Alemanha e de uma França que beneficiam (e muito) com uma moeda igual à dos países por si dominados onde entram livremente com aquilo que produzem.
 Como li algures, o euro tem duas versões: tal como o dólar canadiano e o dólar americano, o euro do norte da Europa distingue-se do euro do sul da Europa. Falta liderança. Falta  Europa.
O que temos é um directório franco-germânico que se coloca acima da Comissão Europeia, do Parlamento eleito por sufrágio europeu alargado e demais instituições que prestam a Paris e a Berlim uma vassalagem quase feudal.
Será a Grécia o elo mais fraco. Depois Portugal e a Irlanda. Quando se chegar à Itália...

Por falar em acto de vassalagem: recentemente, Passos Coelho esteve reunido com a chanceler alemã. O insólito acontece quando o PM português agradece o apoio da Alemanha no plano de resgate financeiro por parte das instituições internacionais! Agradecer quando os especuladores alemães esfregam as mãos com os fabulosos dividendos que retiram do seu agiotismo extremista? 
Será que a Alemanha pediu desculpa à Europa pelas  duas guerras mundiais e pelo Holocausto?
Será que a Alemanha agradeceu os planos de ajuda para a reconversão da sua economia no segundo pós-guerra?
Será que a Alemanha se lembrou de reconhecer o papel que a Europa teve na sua reunificação?
Não pense o meu caro amigo leitor de que lavro aqui um manifesto anti-germânico. De todo! Admiro a Alemanha em todos os seus aspectos. Mas senti vergonha de ter um PM que age diplomaticamente  debaixo da casquinha de ovo do Calimero...

Em relação ao PS, António José Seguro não me convence. Ganhas as eleições internas, o PS não reúne ainda união em torno do seu secretário-geral. Em fim-de-semana de Congresso, Francisco Assis continua a assombrar Seguro.
A atitude crítica do líder socialista às políticas do governo não convencem o eleitorado. O PS e a sua governação traumatizante ainda estão frescos na memória colectiva. O descalabro da sua governação não traz qualquer legitimidade ou moral para que possa criticar qualquer coisa que o PSD faça. Ainda...

Por isso, Portugal caminha para a desagregação. O desânimo domina a moral nacional. Não há esperança e os sinais quanto ao futuro são deveras negativos.


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