sábado, 5 de fevereiro de 2011

das presidenciais II

É impossível reduzir as últimas presidenciais a uma só leitura.
Uma vez mais, Portugal comprovou que merece a elite política que tem: cerca de 54% de abstenção confere a Cavaco Silva a eleição presidencial mais frágil desde 1976. Mas, e assim rezam as regras do jogo democrático, "por um voto se perde, por um voto se ganha". E assim foi. 
Se Sampaio foi reeleito em 2001 com uma avassaladora abstenção e demitiu o governo em 2004, Cavaco tem toda a legitimidade para assumir o cargo, que é seu desde 2006.

Em relação ao tão propalado  discurso no CCB após o escrutínio, Cavaco demonstrou que não sabe ganhar. Enveredou por um ataque a quem o atacou sublinhando o facto de ter conseguido a reeleição sem um único cartaz na rua e contra cinco candidatos que denegriram o seu bom nome na praça pública. A grandeza de um candidato que acaba de ganhar fica assim manchada quando a sua ética ( e o tão considerável sentido de Estado) deveria apelar a um sinal de pacificação no meio político português. Preferiu combater o fogo lançando fogo. E o país vai-se queimando...

Cerca de 300.000 pessoas foram às urnas para votar em branco. É justo contarem-se os votos em branco como abstenção? Eleitores que se deram ao trabalho de ir votar, não escolhendo qualquer candidato é facto relevante. Não será, de todo, o mesmo que faltar, esquecer, demitir-se de ir exercer o dever cívico.
Os partidos políticos tiram as leituras que melhor os servem: o PSD destaca a vitória do candidato apoiado por si como um acto de confiança por parte do eleitorado na estabilidade e equilíbrio de poderes. Sabiamente, Passos Coelho recusou alimentar as especulações em redor do tabú das possíveis legislativas antecipadas. As presidenciais são eleições directas e unipessoais, ao contrário do sistema representativo que alicerça as demais eleições. 
Relativizar o Presidente é um erro. E o líder laranja sabe isso mas consegue fortalecer a posição do seu partido na vigilância ao PS e ao governo.

Por sua vez, o CDS-PP enaltece a vitória de Cavaco. Paulo Portas lança já pistas para o que definirá a agenda política democrata cristã para os próximos tempos: pressionar o governo e piscar o olho aos sociais democratas para um possível governo saído do armagedão de umas possíveis legislativas fora de tempo.

Quanto à esquerda, o PCP é o rei das vitórias morais. Os cerca de 8% que o seu candidato consegue comprovam a fidelização do eleitorado comunista. E por isso, Jerónimo de Sousa considera que os objectivos foram cumpridos.

Já Louçã demonstra a preocupação por ver o país na iminência de um volte face à direita. Ao lado do PS, o Bloco de Esquerda reconheceu a derrota e chama à necessidade de a esquerda se unir de forma a travar o avanço de uma direita. Os erros de Louçã, Sócrates e Alegre foram vastos.

Comecemos por Alegre: nunca se deveria ter recandidatado. Pior que isso apenas a sua candidatura apoiada pelo PS. Soltou-se a confusão no eleitorado. Ora, um homem que criticou as opções do governo socialista e que se mantém no cargo de deputado da Nação ao abrigo do PS não terá sido fácil de digerir por parte do eleitorado. Os portugueses gostam de heróis e Alegre poderia ter usado o fato do herói, demitindo-se de forma digna do partido a que tanto se opôs. Mais, poderia ter saído em braços da Assembleia da República iniciando, aí sim, uma pré-campanha independente. 
O eleitorado sentiu-se confuso e traído.
Alegre sabia que não era, de facto, o candidato socialista a Belém. Só em fase já adiantada da campanha é que podemos confirmar a presença de importante vulto rosa ao lado de Alegre. Quando Sócrates vê a sua popularidade a decair drasticamente é que sente necessidade em tomar partido da causa de Alegre. 
Mas aí o tempo já escasseava. Tanto Alegre, como Sócrates, ambos sabiam que muito dificilmente destronariam um presidente de um segundo mandato. O eleitorado, em matéria de presidenciais, é bastante conservador e só com um enfraquecimento letal de Cavaco é que Alegre poderia aspirar a uma ténue hipótese.
Arrancou, pois, Alegre para uma campanha que visou denegrir Cavaco na praça pública. Cavaco também não esteve feliz. Longe disso!
Poderia, facilmente, ter resolvido o assunto esclarecendo o eleitorado acerca das acusações que lhe eram feitas.  São opções. Respeitemos...
Como afirmei ainda antes de 21 de Janeiro, estas eleições mataram, no sentido político, Manuel Alegre. O mito de 2006 não mais se repetirá.
Com Cavaco, esgotam-se as hipóteses dos hipotéticos candidatos em 2016... Marcelo Rebelo de Sousa?

Mas estas eleições vieram a comprovar a necessidade de rever a democracia em Portugal. Ou melhor, a falta de cidadania e valores democráticos em Portugal. Equacionar o "porquê" deste afastamento do eleitorado. Sem dúvida que lamento as peripécias em torno do Cartão de Cidadão que, para o PS, foi uma descarga mortal no tal celebrado "Choque Tecnológico" rosa...
Não podemos, repito, olhar para os votos em branco (ou mesmo nulos) de forma passiva. Faz-nos pensar e essa é uma das mais urgentes reflexões que deverão ser feitas no futuro próximo. A bem de um país mais positivo.

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