quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

solidariedade numa era de abundância

Há já algum tempo que por aqui me ausentava.
Aproveito para pedir a todos vós a compreensão por alguém cuja motivação e estado de espírito têm apresentado índices não muito confiáveis.
Este ano termina para mim numa elíptica incerteza quanto ao que sucederá...
 
Bom...

Em tempo de Natal, não venho aqui desejar-vos as boas festas nem muitas prendas, muito menos enviar-vos via Blooger uma daquelas SMS's standard cheias de luzinhas, renas e neve nas barbas do Pai Natal acompanhadas por doces melodias da Mariah Carey ou do Paul McCartney...A mensagem de Natal que vos trago é uma daquelas que faz juz ao velho "ditado" popular: "Natal é quando um homem quer".As campanhas de solidariedade levadas a cabo pelas ONG's e outras instituições, cuja prioridade não é a responsabilidade social mas sim lucrar (e ponto final), invadem-nos sempre por esta altura, apelando ao "menino Jesus" que há em cada um de nós.
Não ignoro a sua meritória função e importância no auxílio a pessoas carenciadas. Respeito e aplaudo. Participo sempre no Banco Alimentar Contra a Fome, através do envio de produtos alimentares ou vestuário. Acredito piamente que, mais tarde ou mais cedo, precisarei de recorrer a uma dessas instituições pois sinceramente não tenho fé nenhuma no futuro: acredito que daqui a um ano as coisas irão estar muito mal mesmo. Para mim, inclusivé...
(É horrível como o meu digitar nas teclas do computador me arrasta o discurso para o desespero...)
 
Há alguns séculos atrás, passar fome era um mal para o qual não havia solução visível. A morte, fruto da carestia de bens alimentares, era quotidiana numa sociedade que não conseguia produzir excedentes de forma a garantir a sua própria sobrevivência. Por isso, a esperança média de vida era baixa (cerca de 40 anos) e a população era, em grosso modo, bastante jovem. Se a tudo isto juntarmos a falta de meios de promoção e desenvolvimento de uma eficiente cultura de higiene e saúde, facilmente compreenderemos o porquê de tão fraco saldo fisiológico.

A questão da falta de produtos alimentares era motivo para revoltas e conflitos sendo então promotora de uma alta mortalidade. É possível relacionarmos o aumento da mortalidade nesses séculos com a subida do preço dos cereais (cuja subida se devia à falta de excedentes, fruto de uma ineficácia de resposta tecnológica face a eventuais cataclismos naturais - Invernos ou Verões rigorosos).

A Revolução Industrial veio alterar estruturalmente a vida da população. A maior produtividade iria fazer com que a população se alimentasse melhor. O crescimento da população (que passa a viver mais e melhor) veio a apelar para que a economia se desenvolvesse. As inovações técnicas nos meios de produção alteraram também os transportes, a medicina, a ciência e a mundividência. Na Europa seria impensável comer um bife de vaca vindo da Argentina ou fruta do Oriente! As pessoas ganham mais e vivem melhor. A sociedade melhorou.

Entender o flagelo da carestia alimentar é fácil por alturas do período anterior ao take-off industrial.
Hoje é ridículo afirmar que a fome ainda grassa num mundo que chegou a um ponto de criar alimentos em laboratório, modificando-os geneticamente e adaptando a Natureza como sua serviçal!
Num mundo de abundância, onde se produz e onde facilmente se escoam bens de primeira necessidade, fará sentido ainda haver fome?

Esta questão polémica é debatida desde o século XIX. Desde que a Revolução Industrial se desdobrou numa revolução social e cultural, a economia deixava, progressivamente, de ser vista como a ciência que visava potenciar mais por menos para se tornar uma forma especulativa de enriquecer a partir das necessidades primárias. Os lucros adjacentes à produção e ao investimento tornam-se capitalizáveis. A lógica de uma economia de subsistência é ultrapassada por uma economia de mercado. As bolsas de valores e mercadorias estabeleciam o valor de empresas e produtos, delineando estratégias de investimentos consoante a lei da oferta e da procura.

Nasce e impõe-se o Capitalismo!
 
Capitalismo é uma palavra que nos suscita sempre apreensão. A sua carga etimológica desvia-se sempre para um dos valores mais inerentes ao ser humano:
o egoísmo.
Desde que as alterações nos hábitos de consumo e produção trouxeram ao de cima o termo "consumo de massas", a necessidade/desejo de lucrar fez com que se dividisse a sociedade em duas antagónicas classes: os que detêm o capital e os que dependem desse capital. O Capitalismo é como a Democracia: um sistema económico horrível, capaz de gerar desigualdades brutais. Mas é o menos mau de todos os outros sistemas. A concorrência e a liberdade de iniciativa derrubou antigos monopólios e privilégios. A Humanidade avançou e desenvolveu-se. Se hoje em dia vivemos melhor e temos acesso a tudo, ao Capitalismo devemos.

Mas o Capitalismo, fortalecido ao longo do século XIX, e até 1929, fez vir ao de cima o tal egoísmo e desumanidade.
Numa lógica especulativa de garantir lucros, evitando quedas dos preços, a Economia liberal gerava crises: a abundância de produtos que não se vendiam gerava desequilíbrios e, para isso, seria necessário parar de os produzir de forma a vender aquilo que não se escoou. E no meio desta selvajaria da auto-regulação dos preços, as sociedades eram usadas e abusadas; lançadas em despedimentos em massa sem a mínima protecção ou garantia social. Friedrich Engels olhou para este fenómeno, e comparou-o às crises de subsistência dos séculos anteriores: como é possível, numa época de enorme produção, haver ainda fome e inacessibilidade aos bens de primeira necessidade?

As crises do Capitalismo são então motivadas pela ganância de uma minoria que, para evitar prejuízo, lança o caos nos mercados.
A Grande Depressão (1929-35) foi uma época em que se destruiram matérias-primas agrícolas. Incrivelmente, para os economistas, haver excedentes era sintoma de mal-estar económico pois, se a oferta suplantava a procura, os preços diminuiriam. É esta a Economia de Casino, baseada na especulação, que movimenta e condiciona a Sociedade Mundial.

A recente ruptura dos stocks açucareiros fez crer ao mundo que não havia açúcar. Como é isso possível, numa época em que se produz (como nunca) açúcar? Ainda para mais numa época natalícia, em que a necessidade de açúcar atinge o seu pico.
Por isso, e voltando à minha reflexão inicial, como será possível haver fome num mundo actual em que a palavra abundância faz parte do nosso léxico?

Mas será que as empresas, que lançam estas campanhas de hipopótamos e avestruzes de forma a estimular o bom samaritano que em cada um de nós existe para depois deduzirem nos impostos estas campanhas como solidariedade, não poderiam fazer mais?

Como é possível que supermercados destruam produtos de forma a não serem consumidos se não forem vendidos, em vez de os libertarem para quem realmente precisa?
Como é possível que não haja um debate mundial sério de forma a não adoptar uma política de "tapa-buracos" e, ao invés, promover formas de, de uma vez por todas, fazer chegar aos países, que têm dificuldades, métodos e planos de recuperação económica sustentados?
Como é possível que, por razões políticas, economicistas e monetaristas, se estabeleçam quotas de mercado de forma a não reduzir preços?
A solidariedade é valiosa mas tem, para mim, esta estranha sensação de estarmos constantemente a aplicar paliativos quando se poderia tentar perceber a forma como cortar o mal de uma vez...

FELIZ NATAL E BOM ANO NOVO!