sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

NINGUÉM TEM CULPA DE NASCER ONDE E COMO NASCE

No dia 1 de Fevereiro de 1908, há precisamente 100 anos, um atentado à bala, quando a família real portuguesa voltava de Vila Viçosa, pôs fim à vida do rei D.Carlos e do príncipe herdeiro D.Luís Filipe.
Tendo como cenário o vértice da Rua do Arsenal com o Terreiro do Paço, Alfredo Costa (jornalista) e Manuel Buíça (professor) puseram a descoberto aquilo que, já há muito, se afigurava: o fim da Monarquia em Portugal, apesar do sobrevivente ao atentado, o príncipe D. Manuel (futuro imediato D.Manuel II) ter ainda assumido aquilo que a tradição da monarquia de matriz visigótica dizia: rei morto, rei posto.

Discute-se hoje o infortúnio ou o acaso ou mesmo a necessidade de tal facto que viria a mudar o curso de Portugal na centúria que se abria naquele dia.
Com a crise em todos os sectores que alastrava em Portugal, o rei D.Carlos, a meu ver, teve enorme infortúnio por ter nascido no seio onde nasceu: amante das artes, do desporto e das ciências naturais (do qual o melhor exemplo é a fundação do Aquário Vasco da Gama), o rei pouco se interessava pela política. Era um período de Monarquia mas Monarquia essa condicionada por um parlamentarismo definido pela Carta Constitucional de 1826 (não obstante as diversas adições ao texto original), caracterizado por constantes demissões e traições e desentendimentos.
Conforme eu disse, D.Carlos não "tinha tempo" para a política. Para ele, outras coisas eram mais interessantes e por isso, em Março de 1907, entrega o governo do então Reino de Portugal a João Franco (parlamentarista experiente, pertencente à ala parlamentar mais à direita da esfera monárquica) que decide, com a conivência régia, encerrar as funções deste parlamento próximo da anarquia e da barbárie. Perseguiu a imprensa e governou sem a vigilância do senado, "à turca" (como caricaturaram os seus opositores). De resto, o ano de 1907 ficaria marcado por sucessivas repressões e detenções de forma despótica de forma a restituir a ordem pública.
Penso que este curto período dos inícios do século XX português está ainda envolto numa penumbra pois a tradição tenta sempre traçar horrores acerca deste senhor, o que não é suficiente dada a obra social que quis implementar, a favor do bem - estar social.
Discute-se hoje se o atentado terá sido em jeito de frustração ou realmente o objectivo foi atingido: matar o Rei!
Mas hoje já podemos concluir através de diversas provas que o Regicídio apenas foi uma operação de desespero, face às suas nulas aparições em público, para matar o ditador João Franco e não D.Carlos. Várias outras tentativas de afastar, à boa " maneira romana", João Franco se deram, mas sem sucesso.
Não podemos garantir o envolvimento da Maçonaria na conspiração mas sabe-se que alguns dos implicados pertenceriam à Carbonária (braço armado da Maçonaria, surgido em Itália nos princípios do século XIX), que promovia um jacobinismo radical, com inúmeras células espalhadas por toda a Europa Ocidental.

Passados 100 anos, reparo que hoje pouco mudou.
Será que a Monarquia era realmente o mal de tudo?
Olhem para o que se passa em Portugal e comparem às necessidades de há 100 anos...basta actualizá-las e compará-las...
Não sou monárquico mas reparo na maior parte dos países europeus, ainda monarquias, e vejo como eles estão (Espanha, Inglaterra, Suécia, Holanda).
A Monarquia (atenção, eu não estou a fazer a apologia da Monarquia) tem defeitos mas assim como a República os tem. Mas a Monarquia dá-nos uma identificação como alma e memória colectiva que a República Laica nunca nos dará! Sou democrata mas, acima de tudo, sou humanista.
Será que Democracia e Monarquia são incompatíveis na sua essência?
Será que o Regicídio trouxe alguma coisa nova ou será que D.Carlos foi apenas vítima do requinte do berço onde nasceu?
Deixo aqui à discussão...vale a pena reflectir...

*Quadro de Paula Rego, O Regicídio, 1965

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