Ontem viveu-se o insólito em directo!
Judite de Sousa, a toda-poderosa e conceituada jornalista da RTP, entrevista o candidato à Presidência da República Manuel Coelho.
Não tendo assistindo a todo o programa, momentos houve que mereceram a minha reflexão. E por isso aqui teço alguns comentários.
Manuel Coelho, deputado à Assembleia Regional da Madeira, deu nas vistas há uns anos atrás quando, em pleno plenário, desfraldou uma bandeira com o símbolo nazi de forma a chamar à atenção para a "democracia" que, segundo ele, era levada a cabo naquela região autónoma. Manifesto opositor àquilo que apelida de "Jardinismo", mais tarde apareceria no mesmo hemiciclo com um enorme relógio ao pescoço que, de acordo com a sua justificação, se devia ao facto de não lhe ser concedido o mesmo tempo que aos restantes deputados para poder intervir nos debates parlamentares do respectivo órgão de soberania.
Da primeira vez, valeu-lhe a imediata expulsão do parlamento mas ficou acima de tudo um estilo que, ao que parece, veio para se instalar na praxis política portuguesa: a comédia e o "fazer política a rir".
Alguns reparos: como é que este sujeito chega a deputado?
Segundo as suas palavras em resposta às questões da pivot, Manuel Coelho assume-se como um homem de esquerda mas que figura num partido (Nova Democracia) fundado por um homem conotado com a direita parlamentar portuguesa, Manuel Monteiro, antigo líder do CDS-PP. Segundo o candidato, não existe em Portugal uma direita mais à direita que o CDS-PP nem uma esquerda mais à esquerda que o PCP. Manuel Coelho confessou que, numa altura de vontade de ingressar n vida política madeirense, estava "politicamente desempregado" e que pediu emprestado o partido de Manuel Monteiro para poder "chegar ao poleiro". E é este o "lema" da sua campanha de candidatura: "Coelho ao Poleiro". Tendo estado esta semana em Lisboa, Coelho desenvolveu toda uma acção de campanha em pontos da capital que, segundo ele, são altamente alegóricos: em plena Fábrica dos Pastéis de Belém, Manuel Coelho morde um desses tão apreciados símbolos da doçaria nacional para satirizar Cavaco Silva como sendo senhor de uma forma pastelosa e inerte de intervenção na vida política portuguesa. Para Coelho, Cavaco Silva é o "verdadeiro Pastel de Belém".
Esta entrevista apenas merece o meu reparo no seguinte ponto: a democracia, não sendo um sistema perfeito, permite que estes insólitos aconteçam. A liberdade de expressão e opinião, pilares fundamentais de um Estado de Direito, são por vezes suplantadas por exemplos semelhantes de "mau gosto" que conduzem a responsabilidade que os actores da res publica devem ter na forma como se assumem perante o potencial eleitorado. Não sendo caso peregrino, Manuel Coeho mancha a democracia pois torna-se um bobo da corte na forma como se apresenta. Um deputado da Nação, lá por ter uma imagem negativa nos tempos que correm, será sempre o primeiro a dar o exemplo da correcta postura e cidadania. Corremos o risco de a vida política portuguesa se esvaziar no universo pimba, tão próprio dos artistas que abundam por esse país a fora (e além fronteiras).
A sátira é uma arma letal. Mas se compararmos a outras épocas em que a sátira singrava como forma de alerta às consciências, teriamos de recordar Rafael Bordalo Pinheiro que, com a mestria do seu traço e capacidade corrosiva de observação da realidade, fazia com que as mensagens passassem e politizassem as consciências em inícios do século XX português.
Em segundo lugar, Manuel Coelho, ao pedir emprestado o partido de Monteiro, prestou um enorme serviço ao país quando denuncia a forma como muitas vezes vemos o real objectivo que os partidos (financiados por todos nós) têm para os que lá entram... servindo os partidos como barrigas de aluguer dos intresses dos seus membros...
Manuel Coelho até poderá ter razão naquilo que afirma (Alberto João Jardim e a sua crescente centralização política; os abusos das altas esferas políticas e a falta de credibilidade que os agentes da Administração e Governo detêm na opinião pública) mas envereda por folclóricas estratégias que nada de bom trazem a um país que necessita, realmente, de ideias e soluções concretas e sérias.
Judite de Sousa, perto do desespero mais que aparente, pergunta, por fim, se Manuel Coelho iria levar a sua candidatura até às urnas e se realmente tinha consciência da forma como se movimentava. Manuel Coelho, tendo três dedos de testa, assume que será impossível ganhar o tão almejado poleiro (pudera!) mas que a sua candidatura servirá para alertar e despertar as consciências portuguesas para os abusos da política. Concordo que a vida política só me faz rir mas não tolero este tipo de humor fácil e que, ao abrigo da igualdade de oportunidades para os candidatos, vem distrair desta forma o país.
Deixo aqui um excerto da tourada que ontem se assistiu...
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