O que se passa na Geórgia?
Tanta especulação e tentativa de informação que gera, por si, uma total desinformação da opinião pública em benefício de uma opinião que se quer publicada.
Apesar da gravidade do problema, a actualidade na antiga república soviética explica-se de forma simples. E para isso teremos de recuar cerca de 90 anos no tempo...
Em 1917, uma Revolução levada a cabo por um grupo de ideólogos afáveis ao marxismo (acreditam que a sociedade, para encontrar mais justiça e para evitar usurpações dos seus direitos pelas classes, ditas, dominantes, terá que entrar numa dialéctica luta de classes com vista à transformação de uma sociedade em que todos tenham os mesmos direitos e deveres, sem qualquer margem para a sobrevivência das classes sociais) derrubou o antigo poder vigente. É sobejamente conhecida a história romanticista dos Romanov e, acima de tudo, da vestal menina chamada Anastácia...
O que veio a seguir não agradou aos senhores que derrubaram o czarismo: formou-se um governo que, para os bolcheviques (em eslavo, significa a maioria revoltosa), poderia colocar em causa as intenções iniciais de uma sociedade sem classes e de iguais direitos...
Nova revolução eclodiu. Desta feita, os senhores bolcheviques (que da cor vermelha fariam o seu estandarte de marca) derrubaram o governo que, provisoriamente, tinha assumido funções logo após o fim do Czarismo!
Desta vez, os bolcheviques tinham em mente a total transformação e reorganização do aparelho de estado russo. Transformação, essa, que passaria pela atribuição do poder, não a uma minoria elitista, mas sim ao povo: seria então um governo que representasse a classe outrora dominada pelos interesses das ditas classes mais enobrecidas! Por isso, deu-se a fundação de um partido político que representasse esse poder operário e camponês, a bandeira do Partido Comunista representa a luta (vermelho) dos camponeses (foice) e dos operários (martelo). Para além da completa transformação de toda a sociedade e economia russa, os bolcheviques tinham em mente a manutenção de um regime que fosse unânime a todas as províncias do antigo Império Czarista: cada uma dessas regiões seria organizada, politicamente, em torno de uma assembleia regional composta por camponeses e, na sua maioria, operários eleitos que se denominaria de Soviete. Dessa união dos vários sovietes regionais, resultaria uma união de todos eles: cada região denominar-se-á de República, de ideologia Socialista e que representa o povo trabalhador, através da sua assembleia, isto é, Soviete! Era deste organigrama, estreitamente rígido e centralizador, que viria a denominação de União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
Um dos principais problemas que os sucessivos governos soviéticos enfrentaram, desde 1921 (data da Constituição da URSS por Vladimir Ilitch Ilianov, mais conhecido por Lenine), foi o problema das nacionalidades. Meus amigos, olhem para o mapa da actual Rússia: vejam a imensidão territorial (que nos meus tempos de escola se chamava de Eurásia) e imaginem as possíveis diferenças culturais, sociais e étnicas que poderão existir numa área que corresponde a um terço do nosso planeta. Se num país pequeno como o nosso ( e mesmo Espanha na sua manta de retalhos) essas diferenças são patentes, imaginem um território que se estende desde a Polónia às fronteiras orientais com o Japão e a China!
Por isso, imaginem a trabalheira que não terão tido os líderes soviéticos para colocar toda a gente a piar fininho. Isto porque, com a queda do Império Russo, muitas dessas zonas acharam que, finalmente, iriam tornar-se independentes. Reparem que os finais do século XIX e inícios do século XX são épocas de fervor nacionalista: os resultados da 1ª Grande Guerra e a influência que várias convulsões nacionalistas e liberais tiveram noutros povos que se sentiam presos e descriminados, levaram a que, mesmo na Rússia, se falasse em desmembramento do Império Russo. O resultado foi exactamente outro: a Revolução de Outubro de 1917 apenas veio substituir a autarcia czarista pelo autoritarismo e centralismo soviético. Era um ponto fundamental para Lenine (e depois para Estaline) o reforço da unidade soviética: abrir precedentes a possíveis independências das antigas províncias russas seria fatal para as intenções de um forte governo que queria representar as gentes trabalhadoras! Fala-se por isso numa Revolução Permanente e que, para os Trotskistas, motivaria (e inspiraria) a libertação dos trabalhadores por todo o mundo ( o tal ideal de um Comité Internacional de Trabalhadores)!
E está aqui o principal problema da Ossétia do Sul e da Geórgia! Com o desmembramento, em 1991, da URSS, criou-se a tal Comunidade de Estados Independentes, em que as antigas dez repúblicas soviéticas manteriam laços de cooperação, embora independentes politicamente! Logo em 1992, as questões dos nacionalismos e desejos de independência vieram ao de cima: a Geórgia (ex-república e terra natal de Joseph Estaline) torna-se independente. Com a “Doutrina My Way” (célebre expressão do presidente Reagan ao invocar a necessidade de cada país pertencente à Cortina de Ferro tomar, à sua maneira, conta dos seus destinos), muitos foram os estados a alcançarem a liberdade! Mas mesmo dentro destes estados, pequenas facções nacionalistas (que consideram ter direito à sua autodeterminação) reivindicam a diferença entre os demais conterrâneos: é isto que se passa na Geórgia e, mais precisamente, na Ossétia do Sul!
Logo em 1992 (ao mesmo tempo em que a Jugoslávia- unificada desde finais da 2ª GM- entrava num colapso, fazendo ressurgir os problemas das várias nações dentro de uma mesma nação), a Ossétia do Sul quis tornar-se independente da Geórgia. Por um lado, há quem defenda a total autonomia. Por outro lado há quem defenda uma visão pro-russa, ou seja, de integração na tal Federação Russa! Por seu lado, a Rússia lida ainda hoje com os problemas do separatismo tchetcheno! Após uma acalmia de cerca de 15 anos, ressurgem agora os fantasmas do passado: o separatismo da Ossétia; as intenções de manutenção da integridade territorial georgiana; as intenções russas na agregação do território da Ossétia (importante em termos de matérias primas e geopolíticos) e a abertura, para Putin, de um conflito que poderá pôr em perigo a unidade da Federação Russa! A ocidente, a Europa vê com apreensão o ressurgimento dos nacionalismos das antigas repúblicas soviéticas: o apoio à total independência da Geórgia fará com que se abram precedentes graves em matéria de definição dos mapas geopolíticos: o separatismo basco; a questão de Chipre, o Kosovo. Ou seja, a diplomacia ocidental tem de ter muito cuidado: estamos a falar de questões culturais e das esferas das mentalidades; ou seja, não se mudam segundo a vontade de alguns! É uma questão de identidade cultural para a Ossétia; é uma questão de moral e integridade para a Geórgia; é uma questão de domínio para a Rússia e de apoio aos que desejam ser russos! É uma questão económica e política para a Europa: já experimentada durante a Guerra Fria, as tensões entre o Ocidente e o outro lado do Muro sempre representaram apreensão!
Mas, para acabar, o que importa aqui referir é a forma trágico-cómica como os serviços de comunicação social estão a tratar esta matéria: durante os anos 80, fez-se, dos russos, os papões e os malvados que só seriam derrotados pelos heróis das Stars & Stripes! Adoro estas analogias que estão a ser feitas com a Primavera de Praga, há 40 anos, de toda esta crise! Irritei-me a ver estes noticiários a teimarem numa ilustração romântica em que os russos são (uma vez mais) pintados como o Mal! Enerva-me! Quero notícias de qualidade: que informem, que expliquem as situações e que se lixe o fait-divers! E os heróis americanos? Que legitimidade têm para o invadir o Iraque e o Afeganistão? São os bonzinhos e os outros os mauzões? Este modo de olhar para as coisas sem ter em conta o relativismo das questões; de forma a olhar para as coisas sem os nossos juízos de uma democracia (vista por nós) como perfeita em relação a todos os outros!
DESCULPEM A SECA!!!! APETECEU-ME REFLECTIR!!!
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